Eventos

Exposição "Uma questão de fé! "

Av. Santos Dumont, 174 – Centro

Centro Cultural UFMG

Entrada franca

Terças a sextas de 10h às 21h | Sábados e domingos de 10h às 18h


Texto da Curadoria


Nos últimos anos o Grupo de Pesquisa – Memória das Artes Visuais tem trabalhado para a preservação da memória, assim como pela garantia da visibilidade dos artistas atuantes em Minas Gerais. Nesse sentido, o Centro Cultural UFMG tornou-se um espaço de destaque ao acolher inúmeras exposições de artistas relevantes que, por razões diversas, não expunham com a frequência merecida. Realizamos, nos últimos anos, exposições de artistas como: Marcelo AB, Domingos Mazzilli, Paulo Miranda, Mário Azevedo, dentre outros. O desafio é apresentar exposições cada vez mais profissionais, tanto em respeito aos artistas, como ao publico.  A dificuldade reside na falta de orçamento, assim como uma equipe de profissionais com conhecimento especifico na área. A ausência de uma estrutura bem articulada é compensada com funcionários que superam as dificuldades com trabalho e dedicação. 

Nos últimos meses concentramos nossa atenção à exposição de Hélio Siqueira, que nos trouxe novos desafios. Após uma longa discussão sobre o conceito, tornou-se necessário deslocar-me para o ateliê do artista e conhecer de perto as peças que fariam parte da mostra. Mas os momentos que antecederam a viagem foram caracterizados por angústia e dúvida. Qual o sentido de fazer um deslocamento às minhas próprias custas? Em um momento de respiro, passamos a imaginar que essas aventuras são permitidas apenas para jovens. Esse, entretanto, deixou de ser o meu caso. 

Para além das questões econômicas, outra parecia ainda mais incômoda: qual sentido de viajar, passar horas em um ateliê de um artista, negociar uma exposição que será custeada pelo próprio artista? Mas o melhor a se fazer em momentos de irresponsabilidade é avançar sem culpa. A viagem possibilitou rever os textos críticos escritos sobre o artista. 

Siqueira é privilegiado por ter recebido a atenção de pesquisadores como Almerinda Silva Lopes e Ronald Polito. O trabalho de Almerinda Lopes inaugura um capítulo à parte desse olhar: um trabalho bem cuidado, uma qualidade de imagem capaz de agradar o leitor mais detalhista. O livro conseguiu construir um cenário irretocável do ponto de vista da trajetória do artista. 

Ao chegar a Uberaba a recepção do Hélio foi exemplar, assim como aquele que doa como um princípio ético ou confia na máxima: “não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita”. A casa/ateliê parece um mundo a parte. Um misto de um museu de arte sacra com uma presença de arte contemporânea. Como se sabe, o trabalho com a cerâmica exige um grande espaço. Deve comportar um forno e toda logística de uma operação que remete ao conceito de uma oficina tradicional. O trabalho com a cerâmica é coletivo, tendo em vista o longo processo de feitura que exige atenção e controle. Como acompanhar uma queima que deve ser desenvolvida por 72 horas? 

Hélio realiza esse trabalho contando com a ajuda de Paulo Miranda, que além de um grande pintor, assume um papel de assistente. O resultado da produção realizada durante anos está reservado em um grande espaço. Não apenas o resultado da última queima, mas o conjunto de uma produção que atravessa décadas. 

O trabalho de Siqueira desconstrói as polarizações mais comuns existentes na prática artística. Utiliza a cerâmica, mas retira sua função utilitária. Representa imagens de santos que por vezes mais afasta o que aproxima os fiéis. As vanguardas históricas visando se distanciar da arte do passado buscou desconstruir as certezas postuladas pelo conceito de Belas Artes. Eliminou as rígidas divisões entre artes maiores e menores, assim como das modalidades artísticas. Hélio não faz parte da desconstrução gratuita. Escolhe um tipo de técnica e material situado no valor de uso e confere um espaço de contemplação. 

Quem perderia tempo, além de um especialista, em lançar um olhar atento a um vaso de flor ou a um prato? Hélio, sem dúvida, nos convida a conviver com a modificação do estatuto ocupado pela cerâmica. Nessa exposição, valorizamos essa experiência. Caminharemos por peças de grandes dimensões que exigem o olhar atento. Essas obras possuem o valor em si pela capacidade comunicacional, como também remetem a um universo da história dos santos. Um universo incompleto e por vezes incomunicável, como a que caracteriza a experiência religiosa. A comunicação dos santos não é de ordem moral, irônica ou mesmo didática. Siqueira nos coloca limite da decifração, assim como mensagens parciais comunicadas a partir de um sonho. Siqueira distancia de outras referências como de Rodin, ou mesmo Michelangelo, onde o inacabado é parte de uma escultura prestes a se libertar ou próxima de uma transformação em que o resultado é a harmonia e beleza. O universo de Siqueira está em transformação, mas o horizonte não é decorativo ou da harmonia. As peças estão em contínuo transformar como um processo em ebulição. Geralmente a experiência religiosa perpassa um caminho onde se elege um momento de transformação, basta lembrar a história de Francisco e a Renúncia dos Bens Paternos. Na medida em que se renuncia, um novo caminho se inaugura. Siqueira investe no processo onde as ações se desenvolvem sem uma clara noção que o final será épico ou reconhecido. Parece nos lembrar da visão de Madalena, construída por Donattelo. A análise de G. C. Argan sobre a Madalena parece apropriado à Siqueira, em que os ideais do primeiro humanismo estão em crise: tanto pessoal ou histórico. O que resta é uma perene herança de dor, porque a história é marcada pelo sofrimento e “não remissão da culpa original”. Mas o que motiva e o que movimenta esse caminho tortuoso? O que faz com que um artista continue produzindo sem apoio, sem reconhecimento, sem valorização? Talvez a continuidade do trabalho seja uma questão de fé. 


Rodrigo Vivas



Hélio Siqueira - Ouro Fino/MG 1950 
Estudou no Grupo Escolar Coronel Paiva e no Seminário Seráfico Santo Antônio, em sua terra natal. Mudou-se para Uberaba em 1969 e estudou no Colégio Marista Diocesano. Nesse período ganhou os três primeiros prêmios num concurso de pintura, realizado pela União Estudantil da cidade. 
Em 1973, impulsionado pelos prêmios conquistados na sua primeira participação, procurou ampliar seus conhecimentos nas oficinas dos Festivais de Inverno promovidos pela UFMG. Foi aluno de artistas de renome, tais como: José Maria Ribeiro, Marisa Trancoso, Ado Malagoli, Álvaro Apocalipse, Amílcar de Castro, Iara Tupinambá, Jarbas Juarez, Frans Krajcberg e Adel Souki. 
Participou de inúmeras exposições coletivas no Brasil e no exterior. Podemos destacar: "Território de Louvor e Glória", no Palácio das Artes, em 1995; "Santas Loucuras", na Galeria Elizabeth Násser, em Uberlândia, em 1996; "Santos Todos Nós", no Museu Murilo Mendes, em Juiz de Fora, em 2012 e “Triangle Des Arts” Galerie Debret - Paris France, em 1996. Ganhou o prêmio da V Bienal Nacional de Santos, em 1995. Muitos críticos de renome escreveram sobre seu trabalho: Valter Sebastião, Alberto Beutenmüler, Ronald Polito e Alécio Cunha, entre outros. 
Hélio Siqueira é formado em Letras pela Faculdade de Filosofia Santo Tomás de Aquino, de Uberaba. Em Ação Cultural pela Eca USP, em 1987. Foi professor de desenho e pintura da UFU, de 79 a 90 e atualmente é agente de projetos culturais da Fundação Cultural e coordenador do Museu de Arte Sacra de Uberaba, cidade onde reside e trabalha. 

 

Foto: Divulgação


Selecionamos os melhores fornecedores de BH e região metropolitana para você realizar o seu evento.