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Razão X Paixão: Afetos E Racionalidade Manifestam A Natureza Humana

Na História da Filosofia  é muito presente a discussão entre os conceitos de razão e paixão. Desse impasse  foi produzido, e, é produzido inúmeras concepções sobre, trazendo para a Cultura Ocidental  diversas experiências acerca da manifestação dos afetos.

Iniciemos nossa trajetória em busca de compreender essa dicotomia onde tudo começou, pelo menos para nós ocidentais, na Grécia.

A própria palavra paixão tem sua origem no vocabulário grego, “pathos”= “sofrimento”, manifestação afetiva. Sendo cunhada por muitos autores trágicos em seus personagens literalmente “patéticos”. Como é o caso da personagem de Eurípides, Medeia.

 

Segundo o texto trágico, Medeia assassinou os próprios filhos motivada pelo amor e ódio que sentia pelo pai dos mesmos. Uma difícil decisão já que também amava suas vítimas. O que nos chama atenção é que Medéia poderia simplesmente ter tirado a vida de seu amado. Contudo, pensava  que a morte não seria sofrimento suficiente para Jasão que havia lhe traído.

Observa-se que a presença do “pathos” envolve toda a experiência da personagem, pois sente afeto pelos filhos, afeto por Jasão, e deseja que Jasão o sinta como ela o sente. Um corroído sofrimento banhado em desgraça.

Ainda na Grécia antiga temos uma outra manifestação da paixão. Homero nos presenteia com Penélope, esposa de Ulisses, que aguarda seu retorno após a batalha de Troia. Devido à desafiar os deuses, Ulisses é punido, e sua punição é ficar navegando constantemente sem chegar a Ítaca, sua terra natal, onde encontra-se sua amada Penélope, que tece uma colcha enquanto espera o retorno do amado. Ulisses se encontra a mais de dez anos perdido no mar, obedecendo a tradição, Penélope deveria se casar novamente, então, ela propõe tecer uma colcha, quando terminasse de tecer e se Ulisses não chegasse, se casaria novamente. Porém, durante a noite, Penélope desmanchava tudo que havia tecido durante o dia na esperança de estar junto a Ulisses novamente.

Dois autores e duas personagens bem distintas, de um lado amor e ódio se manifestam em uma desgraça avassaladora, do outro a espera angustiante para desfrutar dos prazeres da paixão. Percebe-se que ambas as personagens possuem uma forte intensidade afetiva e esta intensidade perpassa o exercício da razão.

Para o filósofo de Estagira, Aristóteles (384-322 aC.), as paixões devem sempre se submeter ao jugo da racionalidade, essa atitude levará o agente a alcançar o que o pensador chama de “justa medida”, um equilíbrio entre o excesso e a falta. Segundo Aristóteles, podemos desfrutar e buscar os prazeres das paixões, lembrando que paixão é manifestação de afetos, sejam eles prazerosos ou dolorosos. Outro detalhe importante de sua filosofia é que ao agir a partir do meio termo, visa-se não uma realização meramente pessoal, mas todos os envolvidos se beneficiam dos afetos prazerosos. Esse comportamento faz parte do que o filósofo entendia como ética em seu tempo.

Ao contrário de Aristóteles, Sêneca (4a.C.- 65 d.C.) nega completamente a possibilidade de controle das paixões, para este, as paixões estão ligadas intimamente aos vícios humanos. Desse  modo, ela se opõe à virtude e à razão.

[…) Seria preferível a situação de um homem que tivesse um único vício bem declarado do que a de quem tem todos, embora atenuados. De resto, são irrelevantes as proporções de uma paixão: por pequena que seja, recusa-se á obediência aos ditames da razão. tal como nenhum animal é capaz de obedecer a razão – seja animal selvagem, seja doméstico e manso ( já que por natureza os animais são surdos aos conselhos) – assim também as paixões não acatam nem escutam avisos, por mais reduzidas que sejam. […] ( LÚCIO ANEU, Sêneca, cartas a Lúcio. epístola 85)

Para Sêneca, o homem virtuoso é aquele que não tem nenhum defeito, isso significa dizer que ele não deve ter nenhuma paixão, pois a paixão está na origem dos vícios, por sua vez, são doenças da alma.

Sêneca

Outro pensador que compartilha da posição de Sêneca, é o alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860). Para ele, a busca de uma vida feliz é sempre algo negativo, equivalendo a ausência de sofrimento. A realização dos desejos (paixões) é, no fundo, a supressão momentânea do sofrimento que causou esses desejos. Sendo assim, não podemos nos deixar enganar pelas alegrias e pelos prazeres. Em vez de buscar essas supostas alegrias, frutos das paixões, é preciso renunciar à vontade de viver as paixões que estão na base de todo sofrimento.

Diferente desses últimos filósofos apresentados,  o escocês David Hume (1711-1776),  coloca a razão a serviço das paixões. Segundo Hume, não faz sentido em um combate entre razão e paixão e, por isso, não faz sentido falar que a razão deve ser superior à paixão, nem que a paixão deve obedecer a razão. Para hume:

“ As consequências disso são evidentes. Como uma paixão não pode nunca, em nenhum sentido, ser dita contrária à razão, a não ser que esteja fundada em uma falsa suposição ou que escolha meios insuficientes para o fim pretendido, é impossível que razão e paixão possam  se opor mutuamente ou disputar o controle da vontade e das ações.” ( HUME, Tratado da natureza humana. Tradução: D. Danowski, op. cit., p. 452)

Observa-se que a procura para entender os afetos e a racionalidade percorre a História da Filosofia e, ainda continua presente no filosofar, implicando perspectivas éticas e morais para nortear a vida humana. Amor e ódio, felicidade e tristeza fazem parte das nossas experiências enquanto humanos, trazendo acontecimentos assustadores com relação a nossa própria natureza, como o caso de Medeia. Mas também proporcionando momentos sublimes, levando-nos a saborear o prazer do amor. Como Penélope, que após uma longa espera passa o resto de seus dias ao lado do amado Ulisses .

Por Neimar de Oliveira

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