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Sob impacto da pandemia, 14a CineBH discute presença maciça do audiovisual nas expressões artísticas

Mostra CineBH põe em debate como as artes presenciais precisaram se reconfigurar e migrar para plataformas de transmissão online em função da pandemia

Diante de um cenário absolutamente atípico, devido à pandemia de COVID-19, a 14a CineBH – Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte acontece entre 29 de outubro e 2 de novembro em ambiente virtual e carregando alguns impactos desse momento singular para suas próprias discussões e atividades. A temática “Arte viva: Redes em expansão” explicita a percepção da equipe curatorial do evento – formada pelos críticos e pesquisadores Pedro Butcher, Francis Vogner dos Reis e Marcelo Miranda – de um cenário histórico e inédito em que todo tipo de criação artística passou a ser transmitido no formato audiovisual.

Em tempos de lives, shows on-line, performances ao vivo ou gravadas, o que pode, afinal, ser chamado de filme? A essa altura, nesse momento específico, o que diferencia uma peça de teatro de um espetáculo musical, de um longa ou curta-metragem, se todos chegam aos olhares do mundo inteiro por telas e dispositivos?

“A imensa desestabilização que atingiu vários setores artísticos com virulência, obrigando espaços de artes presenciais e salas de cinema a fecharem as portas, não significou uma diminuição do apetite pelas imagens e sons, que há tempos já cercam nossas vidas de forma cada vez mais onipresente e intensa, em telas de todos os tamanhos e formatos”, diz Pedro Butcher. “A demanda por filmes e narrativas audiovisuais dos mais diversos espectros, durações e formatos só fez crescer, ao mesmo tempo em que o fenômeno das lives em plataformas como Instagram e YouTube apontou para algo de novo que surgiu especificamente no contexto da pandemia”.

Experimentando à distância, artistas de várias áreas tentaram encontrar, nesse cenário, a especificidade do que antes era presencial: a apresentação ao vivo, em tempo real e adaptada para o audiovisual. “A presença, tão caraterística das artes vivas, se altera no digital, mas não desaparece. Nas transmissões ao vivo, ela continua lá, sob o risco do tempo cronológico que passa de igual para igual entre quem faz e quem acompanha a performance”, destaca Marcelo Miranda. “A experiência do teatro on-line, sobretudo, faz emergir uma série de questões. Se há muito os recursos audiovisuais já tinham invadido os palcos, tornando-se uma das ferramentas de linguagem do teatro contemporâneo, agora se deu um novo movimento: a performance teatral se transferiu para dentro das telas, submetida a novas necessidades de linguagem”.

A proposta da 14a CineBH, portanto, é pensar essa rede de relações entre arte e audiovisual que se criou a partir da emergência da pandemia. Que tipo de diálogos as artes precisam adotar? Como fazer a nomenclatura de formas criativas que nunca tinham sido desenvolvidas e apresentadas dessa forma antes? Qual o limite entre “filme”, “vídeo”, “teatro”, “performance”, “show”, se a recepção a tudo isso tem sido similar, via computadores, smartphones e TVs inteligentes? Quem nomeia a arte: quem a faz ou quem a recebe? Teatro filmado é filme ou peça? É possível filmar, de fato, o teatro, ou a partir do momento em que é filmado ele deixa de ser teatro?

Para enriquecer os recortes e definições curatoriais, a Mostra desse ano contou com a colaboração especial da crítica e pesquisadora de artes cênicas Daniele Ávila Small. Editora do site “Questão de Crítica”, Danielle tem acompanhado com atenção os movimentos das artes presenciais em meio à crise da pandemia e trouxe, para a Mostra Temática da CineBH em 2020, um conjunto de trabalhos que ganharam novas configurações a partir da necessidade de se utilizar o audiovisual como meio de expressão.

“As cinco obras que compõem a mostra temática propõem um diálogo entre linguagens, a maioria delas concebida diante da necessidade de adaptação à situação de distanciamento social imposta pela pandemia”, diz a curadora. “O que quase todas trazem em comum, mesmo com resultados tão diversos, é o reconhecimento de que, pelo menos provisoriamente, o audiovisual na era da internet se tornou um meio de passagem obrigatório para a manutenção de uma expressão artística viva. Para isso, foi necessário se debruçar sobre suas ferramentas de linguagem e potenciais de exploração”.

Os trabalhos definidos para mostra temática “Arte viva: Redes em expansão” se dividem entre três que poderiam ser realizados em palco, mas foram adaptados para o audiovisual, e dois curtas-metragens que incorporam elementos de performances presencias. São eles: “12 Pessoas com Raiva”, com direção de Juracy de Oliveira, que será apresentada ao vivo na noite de abertura da CineBH; “Museu dos Meninos - Arqueologias do Futuro”, de Fabiano de Freitas e Maurício Lima, a ser apresentada ao vivo durante o evento; “Canção das Filhas das Águas”, de Laís Machado, que será transmitida por gravação; “Navalha na Carne Negra”, de José Fernando de Azevedo, também gravado; “República”, curta-metragem dirigido pela dramaturga Grace Passô; e “Coisas Úteis e Agradáveis”, curta com direção de Ricardo Alves Jr e Germano Melo.

DESTAQUE: PANDÊMICA COLETIVO DE CRIAÇÃO

Com os impasses criados pelos efeitos devastadores do novo coronavírus, um grupo de artistas de várias regiões do Brasil se uniu e fundou, ainda em março, o Pandêmica Coletivo Temporário de Criação. Conduzido por Juracy de Oliveira, ator e diretor cearense radicado no Rio de Janeiro, o grupo tem se dedicado à pesquisa em criações remotas transmitidas pelo Zoom. Uma das principais características da iniciativa é a presença de artistas de teatro de diversas cidades do país, de diferentes gerações e lugares sociais.

“É inegável que um campo de investigação de linguagem se abriu no encontro entre o teatro, o audiovisual e o meio virtual, e o Pandêmica é um dos pioneiros na abertura dessa trilha”, exalta Danielle Ávila Small. “O teatro é uma arte que come de tudo. A interação com a internet não é exatamente uma novidade, mas nem de longe imaginávamos que um dia chegaria a haver um protagonismo absoluto – mesmo que temporário – da rede e das ferramentas de audiovisual para a manutenção e até sobrevivência de espetáculos de arte presencial”.

Definido como “uma aglomeração on-line de artistas fazendo teatro ao vivo até quando isso tudo durar”, o Pandêmica já tem diversos trabalhos no repertório, com espetáculos virtuais, mostras coletivas, ações de reflexão e projetos curatoriais, como a mostra Orgulhe e o Festival Às Escuras, realizados no segundo semestre de 2020.

Dois dos trabalhos da Mostra Temática na CineBH fazem parte do Pandêmica e poderão ser conferidos pelo público do evento. Um deles é “12 Pessoas com Raiva”, no qual o diretor Juracy de Oliveira adapta, para a realidade brasileira contemporânea, a peça “12 angry men”, de Reginald Rose – que, sob o título “12 Homens e uma Sentença”, virou um filme de cinema em 1957 e um telefilme em 1997. Em cena, um grupo de jurados precisa discutir se condena ou absolve um jovem de uma controversa acusação de assassinato. “A versão do Juracy situa a prática do teatro digital no contexto mais amplo da história das artes cênicas na interseção com outras mídias”, comenta Danielle.

O outro projeto da Pandêmica na CineBH é “Museu dos Meninos - Arqueologias do Futuro”, do qual o diretor e performer Maurício Lima preparou uma versão exclusiva para o evento. A encenação reúne depoimentos de jovens negros da favela carioca do Complexo do Alemão que não entraram para as estatísticas do Mapa da Violência. Através de fotografias, narração em off, jogos de luz e sombras e relação direta com o público, o trabalho busca refletir, em tempo real, o impacto da violência nas periferias, agravado pelos efeitos da pandemia.

Uma iniciativa como a Pandêmica se relaciona diretamente à realidade na qual ela se insere, existindo ao mesmo tempo como resposta e resiliência às adversidades. Conforme relembra o curador Pedro Butcher, o crítico francês André Bazin, ainda nos anos 50, falava do impacto da televisão no imaginário dos espectadores refletindo muitas das ideias que agora se atualizam diante do atual cenário de multiplicidade de linguagens atravessas pelo audiovisual. “Embora as plataformas e formatos digitais possam ser mais numerosos e complexos do que qualquer coisa com que ele precisou lidar, Bazin saberia como localizar e celebrar a expressão artística decorrente de novas restrições tecnológicas e comerciais”, acredita Pedro. “Se faz necessário, como ele escreveu, olhar para as obras de arte que podem lançar uma luz para os contextos em que surgiram”.

SOBRE A MOSTRA CINEBH - BH INTERNATIONAL FILM FESTIVAL

A CineBH - Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte, o evento de cinema da capital mineira, chega a sua 14ª edição de 29 de outubro a 2 de novembro de 2020. Promove a conexão entre o cinema brasileiro e o mercado internacional. Apresenta-se como instrumento de formação, reflexão, exibição e difusão do audiovisual em diálogo com outros países. A programação prevê exibições de filmes nacionais e internacionais, pré-estreias e mostras retrospectivas, realiza programa de formação com a oferta de oficina, laboratórios, debates e painéis, promove o fomento ao empreendedorismo, dissemina a informação, produz e difunde conhecimento, cria oportunidades de rede de contatos e negócios, reúne a cadeia produtiva do audiovisual em uma programação abrangente e gratuita.

A 14ª CineBH – Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte e o 11º Brasil CineMundi integram o Cinema sem Fronteiras 2020 – programa internacional de audiovisual idealizado pela Universo Produção e que reúne também a Mostra de Cinema de Tiradentes (centrada na produção contemporânea, em janeiro) e a CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto (que difunde o audiovisual como patrimônio e ferramenta de educação).

Foto: Divulgação

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