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Dois ciclos inéditos de Francisco Mignone para violão são lançados em disco pelo Selo Sesc

Álbum de 13 faixas reúne os Manuscritos de Buenos Aires e canções para voz e violão na interpretação dos violonistas Fernando Araújo e Celso Faria e da soprano Mônica Pedrosa

Autor de uma extensa e abrangente obra, que inclui desde peças para os mais diversos instrumentos como piano, fagote, violino e violão, até óperas e grandes obras orquestrais, Francisco Mignone (1897-1986) foi um pianista, regente, compositor e professor, respeitado e atuante. Talento nato da composição e de facilidade espontânea, foi uma das figuras centrais do meio artístico brasileiro do século 20 ao lado de nomes importantes como do escritor Mário de Andrade (1893-1945) e de tantos outros. Escreveu suas primeiras peças com apenas dez anos de idade e a última, poucos meses antes de morrer, aos 88 anos.

Formado em piano, flauta e composição, o violão foi um instrumento praticamente ignorado por Mignone durante a maior parte de sua carreira de compositor. Eventualmente era tocado por ele em serestas da juventude. É o que revela o violonista Fernando Araújo em seu texto de apresentação de Francisco Mignone: Manuscritos de Buenos Aires e canções para voz e violão, álbum que Araújo divide a interpretação das peças com o também violonista Celso Faria e a soprano Mônica Pedrosa e que chega neste mês de abril, pelo Selo Sesc, às principais plataformas de música na internet.

O trio de intérpretes mineiros esteve junto por três meses, entre novembro de 2018 e janeiro de 2019, para as gravações no Estúdio Engenho, em Belo Horizonte. O álbum sai agora pela gravadora do Sesc São Paulo e estará disponível, com exclusividade e de graça, na plataforma do Sesc Digital a partir de 14 de abril. Trata-se de mais um desdobramento do trabalho de pesquisa que Fernando Araújo vem desenvolvendo em cima dos Manuscritos de Buenos Aires, de Francisco Mignone, e que há quatro anos resultou em sua tese de doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), à época, servindo também para revelar ao meio musical brasileiro as partituras que haviam sido encontradas na Argentina e até então não registradas no catálogo do compositor (detalhes da história abaixo).

No repertório de Francisco Mignone: Manuscritos de Buenos Aires e canções para voz e violão, álbum que Fernando Araújo assina a direção musical, arranjos e edição das partituras, destaque para as “Quatro peças brasileiras”, que compreende os movimentos Maroca, Maxixando, Nazareth e Toada; mais duas valsas brasileiras para dois violões; e ainda “Canção para dois violões”, todas essas não catalogadas até serem descobertas, em 2009. Completa o conjunto de oito peças instrumentais intitulado “Manuscritos de Buenos Aires” a obra “Lundu para dois violões”, única que já estava documentada em publicação nos Estados Unidos, datada de 1974.

Escritas para o Duo Pomponio-Zárate – formado pelo casal de violonistas argentinos Graciela Pomponio (1926-2007) e Jorge Martínez Zárate (1923-1993) –, as peças que compõem os Manuscritos de Buenos Aires são datadas de 1970. Nelas, Mignone revisita algumas de suas composições mais antigas para piano de forma extensamente retrabalhadas, com novas seções e técnicas de variação. O disco é complementado por cinco canções para voz e violão inspiradas pelo extraordinário duo de Maria Lúcia Godoy e Sérgio Abreu e escritas em meados dos anos 1970. Aqui, novamente o compositor revisita obras que havia escrito nas primeiras décadas do século, recriando-as para a nova formação instrumental, caso das canções de folclore espanhol “Nana” e “Las mujeres son las moscas”.

Em “O impossível Carinho”, Mignone reapropria-se da Sétima Valsa de Esquina para piano de forma surpreendentemente transformada em uma canção de um lirismo desesperançado e pungente. E duas peças do álbum são as únicas concebidas originalmente para voz e violão: “Choro” e “Dialogando” mostram a inquietação do velho compositor, experimentando as possibilidades de diálogo entre voz e violão e o uso pouco convencional da voz, tratada, em alguns momentos, como um instrumento de sopro ou de cordas.

Além do texto de Fernando Araújo, o álbum Francisco Mignone: Manuscritos de Buenos Aires e canções para voz e violão também chega sob as palavras de apresentação de Turíbio Santos, violonista, compositor e musicólogo brasileiro, e do violonista Sérgio Abreu que junto ao irmão Eduardo formou o Duo Abreu – um dos mais importantes da história do violão brasileiro e que apesar da curta trajetória marcou época nos anos 1960 e 1970 com discos lançados pelas gravadoras CBS e Decca - , mas logo largou a carreira para se tornar um dos grandes luthiers do país. E por fim, o processo de criação artística do disco será apresentado num minidocumentário com depoimentos dos músicos, produtores e técnicos de gravação envolvidos, e previsão de lançamento no dia 28 de abril no canal do Selo Sesc no YouTube.

A história dos Manuscritos de Buenos Aires

Com a morte da violonista Graciela Pomponio em 2007 — Jorge Martínez Zárate tinha falecido em 1993 —, a filha do casal distribuiu o acervo entre alunos dos dois músicos que também tiveram carreira docente. E a parte dedicada aos duos de violão teria ficado com um rapaz que, ao que parece, enfrentava uma fase conturbada da vida e acabou acondicionando as partituras em um saco de lixo e deixando o material, sem nenhuma identificação, na portaria do prédio que abriga, dentre várias repartições públicas, o Instituto Nacional de Musicologia “Carlos Vega”.

Resgatado e levado para a Biblioteca do Instituto, onde ficou por quase dois anos guardado, o material foi restaurado e catalogado pela musicóloga argentina Silvina Mancilla. E foram casualmente descobertas por um amigo de Fernando Araújo, o professor Fausto Borém, contrabaixista e professor da UFMG, que estava em visita de pesquisa no Instituto. O achado despertou o interesse de Araújo, que prontamente iniciou o trabalho de pesquisa das obras e em 2017, quando celebrava-se os 120 anos de nascimento do compositor, as revelou para o meio musical brasileiro em sua tese de doutorado defendida na Universidade Federal de Minas Gerais.

Para o violonista Celso Faria, o ineditismo desse disco é muito importante também porque os Manuscritos de Buenos Aires representam as primeiras peças de concerto para duo de violões de um compositor brasileiro, ao que se tem notícia até o momento. “Em 1965, Radamés Gnattali compôs a Sonatina para Dois Violões e Violoncelo. Mas vale frisar: para apenas duo de violões, esse pioneirismo na música clássica cabe ao Mignone, que escreveu os manuscritos em 1970”, ressalta.

Mignone e o violão

À época, o Duo Pomponio-Zárate tinha renome internacional com turnês nas principais salas da Europa e Estados Unidos. E o elo de ligação entre Mignone e os concertistas argetinos, que se dá a partir de julho de 1970 durante a realização do II Seminário Internacional de Violão em Porto Alegre, onde se conheceram, passa por Antônio Carlos Barbosa-Lima, outro importante músico brasileiro e um dos grandes violonistas da história com carreira estabelecida e reconhecida, em especial, nos Estados Unidos.

Foi Barbosa-Lima quem sugeriu a Antônio Crivellaro – idealizador do Seminário Interncional de Violão e cuja família de imigrantes italianos se notabilizou no ensino de música no Rio Grande do Sul – que trouxesse o duo de violonistas argentinos para o evento. Francisco Mignone era o convidado de honra do seminário e lá passou quase todo o mês em contato com os melhores violonistas sul-americanos da época, incluindo o uruguaio Abel Carlevaro e os irmãos Abreu. E foi em um churrasco na casa de Crivellaro que Barbosa-Lima, junto ao compositor, concertista e pedagogo uruguaio radicado no Brasil, Isaias Sávio (1900-1977), incentivou Mignone a escrever suas primeiras obras para violão. Poucas semanas depois, já no Rio de Janeiro, Mignone visitou Barbosa-Lima e apresentou os primeiros quatro Estudos.

O compositor que um dia revelou, em entrevista, não ser “muito admirador do violão” e que considerava “um instrumento muito simpático, durante vinte minutos”, depois do que se torna “cansativo”, dificilmente poderia imaginar que um dia pudesse ser convencido a escrever para o instrumento e mais, a lançar uma série de obras que o colocaria no rol dos grandes compositores mundiais para violão. Uma reviravolta na carreira que veio tarde, já prestes a completar 73 anos de idade, e cuja obra violonística é a mais extensa e numerosa entre a dos grandes compositores brasileiros, incluindo a de Heitor Villa-Lobos (1887-1959).

Francisco Mignone

Filho de imigrante italiano, Francisco Mignone nasceu em São Paulo, no dia 3 de setembro de 1897, um ano depois de seu pai, o flautista Alferio Mignone, ter desembarcado no Brasil. Ainda criança, Francisco começou a estudar flauta com o pai e piano com Silvio Motto. Aos 13 anos, já se apresentava como flautista e pianista em pequenas orquestras e, em 1913, iniciou os estudos no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo – escola superior de música erudita e arte dramática que oferecia bacharelado em música, localizada no centro de São Paulo e onde hoje funciona a Sala do Conservatório, pertencente ao Complexo Theatro Municipal e sede do Quarteto de Cordas da Cidade.

No Conservatório, Francisco Mignone foi colega de Mário de Andrade. Nessa época, participava de serenatas e compunha peças populares, que mais tarde publicaria sob o pseudônimo de Chico Bororó. Era conhecido nas rodas de choro do Brás, do Bixiga e da Barra Funda. Em 1918, estreia como solista no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, interpretando o primeiro movimento do Concerto para piano, de Grieg. Dois anos depois vai estudar na Itália como bolsista, onde escreve O contratador de diamantes, sua primeira ópera, tocada no Rio de Janeiro pela Filarmônica de Viena sob regência de Richard Strauss

Volta ao Brasil em 1929 e passa a lecionar no Conservatório Dramático. A amizade e influência de Mário de Andrade rende algumas de suas principais obras: Festa das igrejas, Maracatu do Chico Rei e Sinfonia do trabalho.  Em 1937, na Alemanha, rege a Filarmônica de Berlim em obras de sua autoria e de outros compositores brasileiros. Dirigiu o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1959 passa a compor peças atonais, colocando fim a sua fase mais nacionalista, e em 1970 retoma a composição tonal e dá início à sua produção de obras violonísticas. Morre no Rio de Janeiro em 19 de fevereiro de 1986, aos 88 anos de idade.

Ficha técnica do álbum

Direção musical: Fernando Araújo

Arranjo e edição das partituras: Fernando Araújo

Direção artística: Alessandro Soares e Fernando Araújo

Textos: Fernando Araújo, Sérgio Abreu e Turíbio Santos

Técnico de som: André Cabelo (Estúdio Engenho, Belo Horizonte/MG)

Engenheiro de som e mixagem: Ricardo Marui

Masterização: Homero Lotito (Estúdio Reference, São Paulo/SP)

Produção executiva: Alessandro Soares (Produções do Tempo Ltda)

Produtores assistentes: Elcylene Leocádio e Igor Fearn

Fotografia: Elisa Gaivota e Marcelo Rosa

Capa: Rodrigo Sommer

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